Fósseis de ancestral dos dinossauros que viveu há 245 milhões de anos encontrados em escavações na África do Sul revelam caso mais antigo de artrite em um ser vivo. A pesquisa foi realizada por uma equipe internacional, com a participação de cientistas do Brasil.
Por: Carolina Drago
Publicado em 09/11/2010 | Atualizado em 10/11/2010
Reconstituição física do arcossauro acometido por artrite, feita com base na espécie ‘Erythrosuchus africanus’, animal maior e mais recente do grupo (arte: divulgação).
A artrite está longe de ser uma doença moderna. Há 245 milhões de anos os animais já sofriam com a inflamação das articulações. Foi o que comprovaram cientistas de vários países – três deles de instituições brasileiras – com a descoberta do caso mais antigo de artrite em um ser vivo, identificado a partir de fósseis encontrados na região do Karoo, na África do Sul.
O registro, raro para a paleontologia, foi obtido com base no estudo de um conjunto de vértebras fossilizadas de um arcossauro – ancestral dos dinossauros, crocodilos, aves e pterossauros – acometido por espondartrite, ou seja, artrite na coluna vertebral.
Para surpresa dos pesquisadores, o arcossauro superou em 100 milhões de anos a idade do dinossauro ao qual, até então, era atribuído o caso mais antigo da doença. O estudo foi publicado em outubro na revista PLoS One.
Segundo um dos autores do artigo, o paleontólogo Juan Cisneros, da Universidade Federal do Piauí, o arcossauro provavelmente tinha dificuldade de movimentar a coluna, correr ou mesmo caminhar, pois as vértebras da base da sua cauda eram comprometidas pela artrite.
“Os arcossauros se equilibravam usando a cauda e a movimentavam de um lado para o outro quando corriam”, conta o pesquisador. “Sem ela, o animal teria perdido a agilidade, fator importante para proteger seu território e conseguir alimento, podendo ter sido, inclusive, predado”, supõe.
Vulnerável, o animal teria morrido em decorrência – ainda que indireta – da artrite
Vulnerável, o animal teria morrido em decorrência – ainda que indireta – da artrite, doença que acomete, sobretudo, indivíduos de idade avançada. “As vértebras de tamanho grande indicam que se tratava de um animal velho”, diz Cisneros. “Por isso, a causa provável para a inflamação nesse caso é mesmo a idade”, completa.
Da África para o Brasil
Coletados em 2000, os fósseis só começaram a ser estudados cinco anos depois, quando se chegou à conclusão de que havia uma anomalia, algo como um inchaço, nas vértebras do arcossauro. Mas a doença propriamente dita só foi reconhecida no início deste ano, em um processo que começou na África do Sul e terminou aqui no Brasil.
Por meio de uma técnica conhecida como tomografia computadorizada de nêutrons, pesquisadores de Pretória, na África do Sul, conseguiram obter imagens mais nítidas do interior das vértebras.
“Esse procedimento é mais eficiente do que a ultrassonografia feita nos hospitais, na qual se vê o material por dentro a partir do reflexo do som”, compara Cisneros. “Aqui o princípio é o mesmo, mas não se usa a onda sonora, e sim, feixes de nêutrons”, esclarece.
Para começar, o material cujo interior se queria analisar foi colocado em um reator nuclear. Nele, as vértebras foram submetidas a um giro de 180º e fotografadas a cada grau. Terminada essa etapa, o material veio para o Brasil.
A partir das 180 fotos registradas, o paleontólogo Daniel Costa Fortier, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, produziu uma imagem tridimensional com a ajuda de um programa de computador desenvolvido para esse fim.
Foi com base nessa animação computadorizada que se confirmou o diagnóstico de espondartrite. Em seguida, a paleontóloga Uiara Gomes Cabral, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudou a doença em detalhe.
Juan Cisneros ressalta que a identificação de doenças em fósseis exige um olhar bastante treinado, para que uma patologia não seja confundida com características de uma nova espécie. Ele destaca ainda a importância da descoberta para a pesquisa sobre a origem da artrite.
Carolina Drago
Ciência Hoje On-line
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